UM POUCO DA ALMA DE FORTALEZA

Há algum tempo surpreendeu-me um visitante do museu, no qual eu trabalho. Era um professor de história, da Espanha, especialista em Colonialismo. Dissera-me ele que estivera em Tiradentes, pelo interesse do tema de sua especialização e de lá seguiria para Ouro Preto. Porém, como em Tiradentes não tem ônibus para Ouro Preto, ele teve que vir a São João del-Rei. Ao visitar o museu eu o encontrei por acaso, pois ele queria conhecer a parte interna do museu. Foi nesse momento que conversando, ele me disse: “Estou surpreso com os museus brasileiros, positivamente. São muito bons! Estou muito feliz de ter vindo” (Ele havia ido a Congonhas e em outros lugares os quais não me lembro agora).

Entretanto, o mais surpreendente de sua declaração não se refere a nada disso.  A frase que me causou espanto foi essa: “Estou encantado com São João del-Rei. Estive em Tiradentes e me pareceu uma cidade-museu. Mas aqui, me deparei com uma cidade real”.

Fiquei imaginando como um estrangeiro, pela primeira vez no Brasil, podia captar uma sutileza que para muitos passa despercebida. Toda cidade é uma entidade com alma e corpo. Podemos conhecer somente sua aparência física, o que ela mostra e podemos conhecer também sua alma, para isso temos que olhá-la com os olhos da alma, porque com os olhos só enxergaremos sua aparência física.

Quando viajo, minha maior vontade, a qual nem sempre posso satisfazer, pelo tempo curto, é conhecer a alma das cidades. Conhecer o que pensa e como vive o seu povo. Na verdade não devemos conhecer uma cidade, o interessante mesmo é viver a cidade por um tempo. Estive recentemente em Fortaleza e para mim também foi uma surpresa positiva.

Antes de ir, li alguns sites na internet de dicas de férias. Muitos comentários sobre violência em Fortaleza. Mas eu não vi essa violência toda. Andamos a pé pela avenida Beira Mar e outras próximas, pegamos ônibus coletivo e não vi nenhuma violência. Andando pela cidade muitas coisas me surpreenderam. A primeira foi o compartilhamento de carro elétrico. Já conhecia o sistema de compartilhamento de bicicletas, mas do carro elétrico ainda não. Achei tocante o fato de que a administração está procurando saídas alternativas para o transporte público. Quando caminhávamos pela calçada da praia em direção à feira de artesanato nos deparamos, muitas vezes, com artistas em performances. Eram comediantes, músicos, malabaristas, etc. todas muito boas, dei bastante risadas e o povo que se juntou ao redor também. Aliás, bom humor é o que não falta na cidade. Já na feira, vimos em uma barraca que vendia camisetas uma escrita: Bolsomito. Meu marido disse:
        - Essa ninguém compra!
        -Compra, compra sim. Eu vendo dela.
O rapaz havia escutado o comentário e respondeu, mas depois nos olhou e disse:
        -Mas se o Lula candidatar, eu voto nele!
Fiquei encantada com a ironia da situação! Ele era eleitor do Lula e ganhava dinheiro vendendo a camisa do Bolsonaro. Comprava quem quisesse!

Uma noite saímos à procura de um restaurante coreano que eu havia visto de passagem durante o city tour. Adoramos a comida e voltamos no sábado, nossa última noite na cidade. Pedimos um prato novo. Era  tão picante que meu marido não conseguiu comer. O rapaz, o dono, havia chegado ao Brasil cinco anos atrás, abriu o restaurante e trouxe a esposa e filha. Adorei o prato com frutos do mar e um molho coreano: ótimo. Na mesa ao lado jantava uma família coreana e meu filho ficou surpreso aos vê-los comendo com a boca aberta! Eu, já temeroso que ruísse todos os meu ensinamentos de bons modos à mesa expliquei a ele que a cultura deles é diferente e lá possivelmente não é falta de educação comer de boca aberta. Não sei se o convenci! Até hoje ele ainda lembra e sorri da cena. No outro dia, pela manhã, nossa última manhã lá, pois viajaríamos as 14:00, fomos andar pela praia em frente ao hotel, paramos em uma barraca para tomar água de coco e fomos atendidos por um rapaz, típico brasileiro de pele escura, sorriso largo e manso que mais tarde soubemos ser de Guiné-Bissau. O país da miscigenação continua a receber outras culturas!

        Uma última surpresa: o Ceará declarou primeiro que o Brasil a libertação dos escravos, em 1884! E no campo literário, muito antes da Semana de Arte moderna, houve em Fortaleza a Padaria Espiritual! Pronto. Encantei-me.


OBS. Para quem deseja dicas de Fortaleza, vou postar mais tarde algumas dicas da viagem.

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