Mulher e Educação
Ná não teve como estudar,
embora esse fosse seu maior sonho. Quando adolescente foi para o convento na
cidade de Cataguases. De lá guardava
boas lembranças, apesar de nos contar a rigidez das regras impostas pelas irmãs
de caridade. Lá aprendeu bordado, costura e muitas outras coisas, muito úteis a
uma mulher. Ela gostava do convento, porém sentia muitas saudades da família que
ficara em sua cidade natal: sua mãe, seu pai e seus irmãos, principalmente o
mais novo que muito chorava de saudades da irmã-mãe (era uma das mais velhas e
tinha a responsabilidade de mãe para com os irmãos mais novos). Com o coração
abnegado que possuía abriu mão de seu sonho em favor de cuidar de seu irmãozinho,
que sofria muito com sua ausência.
Com a sua volta, arrumou
um pretendente e casou-se aos 27 anos, uma moça “velha” para os padrões de 1953.
Dos dez filhos que Deus lhe concedeu, somente teve uma filha mulher para lhe
fazer companhia em seus afazeres. Buscou a sua formação ensinando-lhe bordados,
crochê, afazeres domésticos, aquilo que julgava ser o melhor para a formação de
uma boa esposa. Mas o espírito rebelde da menina não correspondia: gostava de
livros. Muitas vezes quando tinha o
dever de varrer e arrumar a casa, a menina levava para os quartos a vassoura,
mas também um livro, dos poucos que possuíam em casa, graças à avó. Ao invés de varrer, sentava na cama e lia e
quando a mãe preocupada com a arrumação que não acabava nunca, vinha ver, o
livro era escondido debaixo dos travesseiros e então a vassoura começava a
trabalhar. Às vezes, para maior tranquilidade, a menina fugia para o quintal,
subia em uma árvore e lá ficava horas e horas lendo, tranquilamente. Outro momento de leitura era quando chegava da
escola, como era proibida de ler logo após o almoço, muitas vezes adiou a
refeição para usufruir mais um pouquinho de algum livro novo, emprestado pelos
colegas da escola, possivelmente um bang
bang ou gibi. Um deles, foi lido em uma aula de matemática, que ela achava
enfadonha.Só que, o professor também percebeu. E lá se foi o livro e a menina
ficou sem conhecer o final da história, por causa da matemática. Para ler a
noite, tinha que usar lamparina, pois até meados dos anos 80, não havia energia
elétrica no sítio. Nessas horas o nariz ficava preto da fumaça da lamparina. Os
livros foram seus companheiros de solidão e o que permitia os sonhos, pois com
eles voava para mundos maravilhosos e distantes e percebia que havia muito mais
coisas e lugares do que tudo que havia onde vivia. Os livros também lhe ajudaram a sobreviver e a
enxergar a beleza onde ela, às vezes, se escondia.
Entretanto, a mãe, ao
perceber a inclinação de sua filha, incentivou os seus estudos. Tanto é verdade
que, quando a filha manifestou vontade de sair de sua cidade para estudar, ela
apoiou a vinda da tia para conversar e convencer o pai a permitir. Foi uma
atitude de desprendimento, pois em sua ausência sofria de saudades. E a filha nunca
mais voltou para morar, os estudos permitiram outros voos e sonhos. E ela
continuou sua caminhada.
A mãe continuou no sítio,
o qual nos anos 90 ainda não contava com linha telefônica, àquela época
caríssima e fora do alcance da família, embora fosse o sonho de Ná: um telefone
dentro de casa para poder ligar para os filhos, quase todos ausentes e
distantes. Se tivesse telefone em casa, não mais teria que ir à rua para fazer ligações para os
filhos. Isto acontecia inicialmente no único telefone público da cidade, onde
havia uma fila para telefonar e onde sem
querer ouvia-se as conversas uns dos outros ou ela ia na casa da prima, que
tinha telefone. Mais tarde a companhia
telefônica colocou orelhões pela cidade. Então facilitou porque sempre que ia
ao posto de saúde ou banco, do orelhão ligava a cobrar.
Sempre fazia compras em
uma venda e lá no interior as coisas eram embrulhadas em folhas de jornais
velhos. Certo dia ao desembrulhar as compras foi tomada de surpresa e seus
olhos encheram de lágrimas, pois no jornal viu o nome da filha: era a lista de
aprovados no vestibular da UFMG. O universo estabeleceu uma forma para que ela
soubesse da notícia, mesmo sem telefone. Esse jornal foi para a gaveta do
criado. E assim a mãe que tinha o sonho de ser professora, exultou de alegria
quando sua filha teve a oportunidade que não lhe foi possível ter.
Adorei o texto! E Fico feliz em saber que a cada dia que passa as mulheres vão ganhando mais espaço na educação, que além de essencial, é uma grande ferramenta de mudança; não só uma mudança interior, mas da sociedade em si. Que possamos conquistar mais e mais o nosso espaço!
ResponderExcluirQue bom que gostou Isabela! Acho que essas mudanças aconteceram sim e ainda continuam a acontecer. Fiquei feliz vendo você ler o livro da Carolina Maria de Jesus. Esse livro me marcou muito, pois, assim como para mim, a literatura foi marcante para a sua vida. Boas leituras e sucesso!
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